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Foto do escritorFlavia Pinheiro Zanotto

Empreender na saúde e áreas afins?



Entrevistado:

Thiago Favano (TF) - Senior Director, MiNK Therapeutics, New York www.minktherapeutics.com.

Entrevistadora:

Flavia Pinheiro Zanotto, Msc, PhD (FPZ) - Diretora da Escrever Ciência – Assessoria Científica (www.escreverciencia.com ).


FPZ: Você que já tem experiência empreendedora na área da saúde, e cursos de empreendedorismo, qual seria o seu conselho para empreender nessa área em um país como o Brasil que ainda tem poucas iniciativas nesse sentido?


TF: Possuo curso de empreendedorismo na Institute for Biomedical Entrepreneurship (IBE) e uma empresa de tradução (Versa Traduções).

Um conselho que sempre repito para diversas pessoas que buscam minha ajuda para empreender é: comece!

Você deve procurar algum tipo de serviço, dentro do seu conhecimento e das suas redes de contato, que você consiga entregar. Não precisa ter um arcabouço enorme de documentação, sócio, website, logo, apresentação institucional, nada disso. A primeira coisa que você deve fazer é tentar entregar o seu primeiro serviço. Tenha um CNPJ, MEI por exemplo, para se tornar uma empresa. A partir daí a sua primeira missão é encontrar um serviço que você possa entregar, executá-lo e cobrar. Parece simples, mas é incrível a quantidade de pessoas que vem falar comigo, e tem uma visão quase mágica e idealizada sobre como empreender. Perdem muito tempo e não vão direto ao ponto.

Claro, se você quer comercializar um produto complexo, por exemplo, um medicamento, aí a coisa é diferente. Mesmo assim, eu uso aqui um conceito aprendido na minha pós em “Businness of Biotech”, em San Diego – O Hibrid Business Model.

Basicamente consiste em você ter uma atividade, como empresa, que vai servir para financiar a atividade que você realmente quer entregar. Um exemplo. Uma empresa jovem, Biotech, que pretende fazer produtos de terapia gênica. Esta pode começar vendendo testes genéticos de diagnóstico (PCR, por exemplo). Com esse lucro, pode implementar processos e começar a sintetizar e vender outros produtos, até conseguir obter recursos e experiência para implementar uma estrutura de desenvolvimento de terapias celulares. Veja bem, eu disse recursos E EXPERIÊNCIA. Por isso que eu friso muito esse ponto: comece a fazer alguma coisa! A hora que você se vê executando uma atividade, acontecem algumas coisas muito importantes para o processo:

1- O seu mindset muda. É impossível você saber o quanto isso é real e impacta na sua visão e desenvolvimento, pois você só vai perceber como ocorre essa mudança, quando começar a executar algo concreto e sentir esse efeito.

2- Novas oportunidades vão aparecer. Muitas empresas começaram com um objetivo, e ao longo do processo caminharam para outro. Eu mesmo, comecei na OrphanDC fazendo consultoria estratégica para empresas que queriam entrar no Brasil. No caminho, encontramos uma demanda com pesquisa clínica. Hoje, a OrphanDC-CT é uma empresa com mais de 50 funcionários e diversos clientes, focada somente em pesquisa clínica. Mas, se eu não estivesse atuando, jamais teria aparecido a ideia da pesquisa clínica.

O negócio de “mão na massa” já tem muito a ver com uma mentalidade difundida no Silicon Valley, onde deve-se tentar diversas vezes e errar, e ir ajustando, até acertar, ao invés de gastar uma eternidade planejando. Planejamento é importante, mas executar é mais ainda.


FPZ: Em que áreas você considera como deficientes em prestação de serviços que pode ser explorada por graduandos ou pós-graduandos na área da saúde e afins?

TF: Especificamente na situação do Brasil: tradução médica e científica e Medical Writing são áreas que sempre existe demanda, mas que já são bem exploradas. O pessoal que tem conhecimento em bioestatística tem bastante oportunidade também, precisa divulgar que está disponível e fazer contatos. Essa área envolve um bom número de trabalhos.

Agora, uma outra oportunidade ocorre nas funções de “Liaison” juntamente a médicos e instituições de saúde. MSL (Medical Science Liaison), CDL (Clinical Development Liaison), dentre outras. A indústria tem oportunidades para contratos temporários ou part-time, principalmente em projetos relativamente novos. São oportunidades excelentes para se expor à dinâmica de trabalho de campo, da indústria, e também de networking. Desse modo, ao trabalhar no campo, a pessoa irá interagir com profissionais de saúde e staff operacional de diversos hospitais, faculdades, e outras instituições de saúde, além de conhecer pessoas da indústria. Outra oportunidade é na área de Patient Advocacy, que são as Associações de Pacientes. Geralmente são ONGs que atuam defendendo o interesse dos pacientes dentro do contexto do acesso ao diagnóstico, às tecnologias e tratamentos, tanto no ambiente de pesquisa, como fora. Essas associações têm muitas oportunidades para prestadores de serviço, com uma flexibilidade que é muito oportuna para quem está estudando. Nesses casos, outra vantagem é que, junto a essas associações, normalmente existe uma boa interação com os órgãos públicos (Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde, Universidades e Hospitais Públicos), o que é uma experiência também bastante interessante.


FPZ: Você possui formação de farmacêutico. Para os profissionais do mundo acadêmico que fizeram pós-graduação nas áreas biológicas ou biomédicas, onde você acha que eles poderiam se inserir no mercado profissional além do mundo acadêmico com o skill que já possuem?

TF: A resposta da questão acima ajuda nessa questão também. Todas essas áreas de atuação acima, mencionadas no contexto de prestação de serviços, também existem em um contexto de carreira. Pode-se também adicionar: Marketing, Acesso ao Mercado, Comercial, Informações Médicas, Farmacovigilância, Pesquisa Clínica, Assuntos Regulatórios, Patentes, Desenvolvimento de Negócios, dentre outras.

Fazendo um paralelo com o que falei sobre o empreendedorismo, eu recomendaria entrar em qualquer uma delas e, estando dentro, ficar de olho nas atividades de todas as outras áreas. Você pode mudar de emprego, de empresa, e de área, a hora que quiser. Então, não espere. Experiência em qualquer área vai ser útil, e pode te ajudar muito. Quando você chega em cargos de liderança, das duas uma: ou você vai acabar usando algo que aprendeu em outra área, que você achava que nunca mais iria usar, ou vai ter que aprender, porque nunca viu nada sobre aquele assunto. Além disso, qualquer experiência te aproxima de pessoas novas e daquela posição que é a melhor para você, e que você ainda nem sabe. Por isso, novamente, o mantra: comece já.


FPZ: Você acha que sua experiência e conexões internacionais serviram como trampolim para você conseguir se inserir no mercado de trabalho americano? E como eles enxergam os brasileiros para entrar nesse mercado?

TF: Certamente. Eu fui contratado por um cliente para quem eu prestava um serviço. Se você tem uma posição na qual você tem exposição a pessoas importantes de fora do país, fique onde está, mesmo que seu vizinho ganhe muito mais do que você e esteja trabalhando naquela empresa grande que paga mais. Recomendo valorizar posições em empresas pequenas que prestam serviços para clientes estrangeiros. Dessa forma, é só uma questão de tempo para você começar a ganhar duas coisas que o dinheiro não paga: a visão de como as coisas funcionam num nível acima, e os contatos e oportunidade de expor o seu trabalho e as suas qualidades.

No geral, o mercado brasileiro é visto como um grande desafio, mas também como uma grande oportunidade. Na área da saúde, tanto em pesquisa como em acesso a terapias novas, por exemplo, é óbvio que o Brasil tem pacientes que precisam das terapias, e instituições e profissionais de saúde qualificados para interagir nesses processos. Porém, as empresas daqui dos EUA não conhecem os processos e os stakeholder, e muitas vezes (muitas mesmo), chegam traumatizados com experiências ruins, onde tentaram fazer algum projeto no Brasil e não tiveram sucesso devido à burocracia, ou por não escolherem as melhores instituições. Isso acontece porque, no geral, eles atuam no Brasil através de grandes empresas internacionais que tem representação no Brasil. Nessas empresas, a operação, no geral, é muito lenta e não individualizada, e os processos muito engessados. Os projetos acabam se perdendo ou não entregando os resultados que poderiam.

Quando uma empresa daqui dos EUA encontra um parceiro (geralmente empresas menores) que consegue transitar melhor, fazer melhores conexões e parcerias, a coisa funciona muito bem e, no geral, o Brasil performa melhor do que outros países. E qualquer profissional brasileiro diretamente envolvido na entrega desses resultados começa a ter oportunidades de se aproximar dos clientes e quem sabe trabalhar para um deles diretamente, como foi o meu caso.


FPZ: Pode finalizar aqui com alguma dica importante para os pós-graduandos que estão terminando seus estudos?

TF: Abra um CNPJ. Ofereça seu conhecimento. Cobre por isso (mesmo que pouco). Você pode dar aulas, treinamento, revisar documentos, fazer traduções. Procure e aceite oportunidades para trabalhar em áreas que você não conhece. Fale com as pessoas, valorize as oportunidades em empresas pequenas.

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